22 de dez. de 2012

A casa herdada

deixo a casa/ a casa última do primeiro lar/ era o mar/ primeira casa do primevo lar

viestes da palavra/ à palavra retornarás/
humano/  a palavra quem o  faz


é uma casa antepassada
abrigo de antigas moradas

transmitida pela palavra

no peito, à brasa, é marcada
na carne, faz-se escritura sagrada

desde o imemorável

habita em mim
a casa herdada

18 de ago. de 2012

Felicidades imperfeitas

as manchas no pano
as marcas na mesa
os nós da madeira

uma porta que range

um chão que racha
um teto sem laje

a manhã finda

a tarde chega
adormece os cães

o rádio toca

a torneira pinga
o silêncio constrange

na casa repousa

bananas na cesta
poeira no ar

a cama mal feita

os amores perdidos
a solidão sem par

tudo espera e reclama:

o jardim por fazer, a chuva por chegar
o corpo doído, a alma por restaurar

cultivo paciências

contemplando o gato
na relva descansar

bon-vivant il est  - le chat

et Dieu a fait un temps et un lieu
je compris                                   






7 de jul. de 2012

Descoberto Amor


liberto, liberta o amante
e a cousa amada


estranho o bem que tanto bem faz:
- o descoberto amor


quando, já, a hora é tarda
a tarde finda e a noite gasta

19 de mar. de 2012

Gesto materno

à primeira hora em que farias 86 anos
aqui estou ao pé da saudade

foste deste mundo
e contigo um pedaço de mim 

perdi a ti
eis a dor certa que a vida nos destina

um pranto que se amaina, mas não seca
e hoje se põe em versos

a esculpir lembranças da presença tua
e a minh' alma cobrir com o amor legado teu

18 de mar. de 2012

Um poema para Kloé


seu olhar não deixa esquecer
do animal que ignora o seu sofrer 
posto que só lhe é dado sentir

à sede, à fome
ao quente, ao frio,
ao medo, à dor

só lhe é dado reagir
sente e não sabe o que sente
posto que não lhe é dado dizer

era natureza em estado bruto
como vulcão em erupção
era o real sem moderação

fez-se então pedra e da pedra tornou ao pó
pudesse, do pó, reconstituir a pedra
e num só fôlego novamente animar seu corpo

16 de fev. de 2012

Mar Revisto

atrai-me a folha em branco
como a lua o oceano atrai
é lá, onde gosto de estar 
à beira da folha, à beira do mar

no vai-e-vem dos pensamentos
versos se elevam do branco mar
como ondas que invadem o cais
inundam-me a alma os versos tais

distrai-me o vento
e a gaivota o meu olhar
pouso no horizonte a vista
e confundem-se o céu e o mar

distraem-me os sons do dia
a noite calada me faz sonhar
me põe asas, me põe guelras 
assim, em versos, habito céu e mar


11/02/2012 - Praia de Jurerê, Florianópolis/SC

2 de jan. de 2012

Quero sim, quero não


tudo é querer
o sim é só o contrário do não
porque tudo é paixão
nas vias, não restam dúvidas:
o fato a corrê-las, deveras, é pulsão



15 de nov. de 2011

Quereres


quero os versos perfeitos
feito pétala de rosa, cheiro de jasmim
ainda que breve a flor e fugaz o aroma

quero todos os poetas  a velar tua ausência
ainda que passageira a presença tua
e perene a lembrança dos olhos teus

quero conhecer a vida detrás das montanhas
a vida interior que  habita em mim
ainda que longo e penoso o caminho meu


14 de nov. de 2011

Colorama


pintei as unhas
pintei-as de laranja
descascaram

vou pintá-las de vermelho
alerta do meu desejo
e renovarei os votos

eis a minha fé

se insistires na mora, as unhas
vou cobri-las co'a cor das amoras
para a tristeza d'alma estampar
e aos votos renunciar

eis o meu desassossego

5 de nov. de 2011

Fim dos Tempos


no princípio, era a brisa 
a provocar espirros em Isa
veio o vento e levou o jornal que Lia lia
atrás dele,  a ventania 
implicar veio com as madeixas de Maria
  
o vendaval, pai da brisa, do vento e da ventania
deslocou-se até àquelas cercanias
bravo, queria acabar com tanta rebeldia - Que ironia!
naquele quintal, só conseguiu arrancar roupas do varal

os vestidos de Isa, as saias de Lia e os véus de Maria 
foram parar no olho do furacão
junto às meias e ceroulas do João

furioso, o furacão furou o chão até o Japão
onde o tornado - seu primo irado
já arrancava telhados e quebrava galhos

soltando relâmpagos e atirando raios
assim chegou a tempestade - mãe de todos os ventos
rios e mares transbordaram 
ruas e praças alagaram

seu meio-irmão, o trovão,  pôs-se a trovejar
sempre atrasado, coitado, sofria de rouquidão
lâmpadas estouraram, pessoas se assustaram
debaixo da cama e dentro do armário, crianças se guardaram

animais se amedrontaram
em disparada, corriam e voavam pra todos os lados
a terra tremeu e as águas chacoalharam
escondidos no charco, rãs e sapos coaxaram

zebras relincharam, elefantes bramiram, baleias rufaram
bezerros berraram, leões rugiram, cães ladraram
papagaios tartarearam, araras grasnaram e corujas piaram

abelhas zumbiram, grilos tritrilaram, cobras sibilaram
andorinhas chilrearam, bem-te-vis assobiaram, rouxinóis gorjearam
peixes roncaram, lobos uivaram e emas suspiraram

foi quando o dia virou noite e a noite virou dia
o futuro chegou, o presente passou e o passado apagou
transtornado, foi-se o tempo, levando consigo as horas
e o relógio, agora, parado, sonha despertar a nova aurora

naquele quintal, onde tudo começou
foi lá, também, onde o mundo quase acabou
salvo por uma frondosa mangueira, que teimosa resistia
com seu estandarte verde-rosa, em pé se mantinha

30 de out. de 2011

Silêncio


foto: Marta Soubre









o silêncio não tem voz
é uma estátua
uma estátua não tem voz
tem forma
o silêncio (em) forma
escutá-lo!



28 de out. de 2011

Planeta Bichado

olha em volta
em cima, embaixo
tem bicho por todo lado
até no buraco

no ar, na terra, no mar
de jeito e tamanhos variados
pra todos os mimos e medos
tem bicho até no meu quarto

que voa, pula e nada
rasteja, anda, fareja e cava
que morde, lambe, pica,ou pia
tem bicho que até não faz nada

com cauda ou rabo
bicho-preguiça, bicho-grilo
tem bicho-do-pé e até bicho chato
como o mosquito, o piolho e o carrapato

bicho manso e bicho brabo, bicho esquisito
porco-espinho e porco-do-mato
e bicho muito engraçado
como o pingüim, a girafa e o macaco

pequeninos são muitos
como as joaninhas e as formigas
sem esquecer dos girinos
filhotinhos do sapo

tem bicho com pele, peludo e até pelado
com pena, escama, ou casco
como a tartaruga, o caramujo e o caracol
com a casa nas costas, vivem de sol-a-sol

tem bicho até encasacado
como os carneiros e o urso panda
zé colméia e catatau
e o cão chinês chow-chow

bicho com bolsa também tem
é o berçário dos marsupiais:
o canguru, o coala e o gambá
lá dentro, os primeiros cuidados têm

alguns bichos têm um par de pés
outros quatro patas 
cobras e minhocas não têm
porém, nas centopéias, contam-se cem

tem bicho que anda até de lado
como o siri e o caranguejo
quando brigam dançam um bailado
e o polvo? é careca, mas tem tentáculos!

tem bicho mais belo do que anêmonas e estrelas-do-mar?
ou águas-vivas, como cogumelos a flutuar?
ou besouros, escaravelhos sagrados?
ou tão meigos como um hipopótamo?

pintado, malhado, riscado, selvagem, ou criado
tem bicho gordo e bicho grande
como as baleias e os elefantes
misteriosos como os rinocerontes

os bichos também têm sexo
como a pata e o pato
a galinha e o galo
a gata e o gato

peixe não tem peixa
é peixe-macho ou peixe-fêmea
quando se amam, ficam apeixonados
fazendo borbulhar o mais plácido dos lagos

eita, planeta bichado!



27/12/2010


8 de out. de 2011

Do fato das vias

as cortinas fechadas
o sol enciumado
e o mundo de lado

Em incerta hora e lugar
faremos, enfim, na terra
o que no céu foi tramado



14/03/2008

Beijo


tanto é tua minha boca
tantos são os beijos
do mar na areia




30.07.2002 

Doce Alquimia


especiarias vindas 
do oriente do coração 
temperam  palavras  
postas em versos 
entremeados de sonhos  
colhidos no pomar 
da primeira canção





22.07.98

6 de out. de 2011

Então Agora


voltar é penoso
tudo está no mesmo lugar
empoeirado, à espera de um gesto

olhar as fotos não adianta o passado
dispomos do tempo que há
como eu, já és dona, senhora






14.03.2008

Três Pontas


eram brisas
e uma mesma sina:
o vento -
a ruína



Do Not Disturb


raios do real 
invadem ilusões
vedar frestas é preciso
para não pertubar 
um coração em festa



10.10.2004

Doce de Leite Moça


no verso do rótulo 
entre a celulose e o alumínio
encontrei a receita 
do manjar perdido

Lua


o que do céu se diz  lua 
um dia se despregará 

oh! não se vá 

bela, és sentinela 
da Terra a nos cirandar 

oh! não se vá 

as noites sem ela 
são como o sol sem mar







05.09.2009