Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide, de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a
que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Espera
Sophia de Mello Breyner Andresen
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê passar o silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.
Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta
Há palavras que nos beijam
Alexandre O'Neill
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Cantares
Antonio Machado
Todo
pasa y todo queda,
pero
lo nuestro es pasar,
pasar
haciendo caminos,
caminos
sobre el mar.
(...)
Caminante,
son tus huellas
el
camino y nada más;
caminante,
no hay camino,
se
hace camino al andar.
Al
andar se hace camino
y
al volver la vista atrás
se
ve la senda que nunca
se
ha de volver a pisar.
Caminante
no hay camino
Sino
estelas en la mar...
Sonho de uma terça-feira gorda
Manuel
Bandeira
Eu estava
contigo. Os nossos dominós eram negros,
[e
negras eram as nossas máscaras.
Íamos,
por entre a turba, com solenidade,
Bem
conscientes do nosso ar lúgubre
Tão
contrastado pelo sentimento de felicidade
Que
nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que
nos penetrava… Que nos penetrava como uma
[espada
de fogo…
Como
a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas.
E a
impressão em meu sonho era que se estávamos
Assim
de negro, assim por fora inteiramente de negro,
-
Dentro de nós, ao contrário, era tudo tão claro e luminoso.
Era
terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava.
Entre clangores de fanfarra
Passavam
préstitos apoteóticos.
Eram
alegorias ingênuas, ao gosto popular, em cores cruas.
Iam
em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De
peitos enormes - Vênus para caixeiros.
Figuravam
deusas - deusa disto, deusa daquilo, já tontas e
[seminuas.
A
turba ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se
com algazarra,
Aclamava-as
com alarido.
E,
aqui e ali, virgens atiravam-lhe flores.
Nós
caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O
ar lúgubre, negros, negros…
Mas
dentro em nós era tudo claro e luminoso.
Nem
a alegria estava ali, fora de nós.
A
alegria estava em nós.
Era
dentro de nós que estava a alegria,
- A
profunda, a silenciosa alegria…
Soneto
Gregório de Matos
O todo sem a parte não é
todo;
A parte sem o todo não é
parte;
Mas se a parte o faz
todo, sendo parte,
Não se diga que é parte,
sendo o todo.
Em todo sacramento está
Deus todo,
E todo assiste inteiro
em qualquer parte,
E feito em partes todo
em toda a parte
Em qualquer parte sempre
fica todo.
O braço de Jesus não
seja parte,
Pois que feito Jesus em
partes todo,
Assiste cada parte em
sua parte.
Não se sabendo parte
deste todo,
Um braço que lhe
acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas
deste todo.
O poema
Sophia
de mello Breyner Andresen
O
poema me levará no tempo
Quando
eu já não for eu
E
passarei sozinha
Entre
as mãos de quem lê
O
poema alguém o dirá
Às
searas
Sua
passagem se confundirá
Como
rumor do mar com o passar do vento
O
poema habitará
O
espaço mais concreto e mais atento
No
ar claro nas tardes transparentes
Suas
sílabas redondas
(Ó
antigas ó longas
Eternas
tardes lisas)
Mesmo
que eu morra o poema encontrará
Uma
praia onde quebrar as suas ondas
E
entre quatro paredes densas
De
funda e devorada solidão
Alguém
seu próprio ser confundirá
Com
o poema no tempo
Arte Poética
José Luís Peixoto
o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio,
lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu
olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias
do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu
fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não
conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a
letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do
quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel
e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças
e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama
poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o que quero aprender se o que quero aprender é tudo,
é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a
carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.
o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio,
lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu
olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias
do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu
fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não
conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a
letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do
quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel
e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças
e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama
poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o que quero aprender se o que quero aprender é tudo,
é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a
carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.
Futuros Amantes
Letra/Música (Chico Buarque)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, nãoTentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
Os Argonautas
Letra/Música (Caetano Veloso)
O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...
Viver não é preciso...
O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Viver não é preciso
O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...
Felipe Cerquize
Viver não é preciso...
Felipe Cerquize
que estão na sala,
perceba a luz acesa
na sua varanda
e a Lua crescente
no chão do quintal.
Existem mil e uma formas
para afinidades
e cada uma delas revela
a harmonia
que hoje não está
onde bem deveria.
A toalha de banho,
o fogão aceso,
a água fervendo,
o cobertor gelado,
o travesseiro a menos.
Quando quiser saber
onde está o amor,
revire as páginas dos álbuns
de fotografias.
As coisas simples são as que
fazem sentido
quando o afeto chega
aos nossos corações.
Notas para o Livro das Constatações
Cláudio Neves (in "Isto a que falta um nome")
Mera e
moral cigarra de uma tarde,
de um
verão que ouço ainda e me deserda
como a um
filho, por causa da nora
louca e
loquaz, e talvez infiel.
Som
inespacial, por isso obsidente,
indecifrável
contraponto ou sobra
de um céu
profundo, de uma trepadeira
gretando
um muro para sempre ela.
Cigarra
fútil, lembrança acessória
se
comparada aos mortos que a ouviram
ou se
metáfora do pensamento.
Mera e
moral aquela tarde e tudo nela,
como eu
agora e eu de quando eu era
tão
imortal quanto a lembrança dela.
Rui Rocha (in " A Oriente do Silêncio ")
tenho saudades de ti
e de tudo o que está ausente
embora não consiga
claramente perceber
que coisas ausentes
me fazem falta
para além da tua presença.
se calhar a ausência
da tua presença
é a ausência de tudo
o que me faz falta.
Giorgio Caproni
(in «Il muro della terra», 1975)
TAMBÉM EU
Também eu tentei.
Foi tudo uma guerra
de unhas. Mas agora eu sei. Ninguém
poderá jamais perfurar
o muro da terra.
tradução de Andrea Ragusa
PEDRADAS
Também eu tentei falar.
Sem talvez saber a língua.
Todas as frases erradas.
Em resposta: só pedradas.
CONDIÇÃO
Um homem só,
fechado no seu quarto.
Com todas as suas razões.
Com todos seus erros.
Só, nesse quarto vazio,
e falando. Aos mortos.
EXPERIÊNCIA
Todos os lugares que vi,
que visitei,
agora sei – estou certo:
nunca lá me encontrei.
Voltei a esse lugar
onde nunca tinha estado.
Do que não foi, nada mudado.
Sobre a mesa (de oleado
aos quadrados) meio vazio
encontrei o mesmo copo
nunca cheio. Tudo
permanece tal e qual
eu o não tinha deixado.
DEUS ABSCONDITUS
Este simples dado:
Deus não está oculto.
Mas suicidado.
traduções de David Mourão-Ferreira
Este simples dado:
Deus não está oculto.
Mas suicidado.
traduções de David Mourão-Ferreira
Cantiga para não morrer
Ferreria Gullar
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Motivo
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Alexandre Souza
Cansado de uma vida de andanças
e deste imenso redil de inseguranças,
declaro aos regentes desta dança: estou de mudança!
Ponho nas costas a mochila da esperança,
carregada com minhas melhores lembranças
e com uma sutil e inexplicável Confiança.
Parto em busca de uma herança
que sei, tenho direito, desde a mais tenra infância
e que não é só mais um sonho de uma sonhadora criança.
Lanço-me no caminho que quase ninguém se lança
por medo, orgulho ou falta de temperança
ou por qualquer outro motivo que me foge a lembrança.
E eis que surge, em forma de Homem, a referida Confiança
trajando um manto branco, portando um cajado e falando bem calmo:
Quero restabelecer contigo uma antiga Aliança!
Fitando-me nos olhos, continuou a falar:
Eu Sou o que Sou, eterna Bonança, infinita Segurança
e tu és a minha tão sublime Imagem e Semelhança.
Esqueça, a partir de agora, os antigos versos,
as velhas estrofes e as más palavras que te afligem ainda.
Na poesia da tua Vida, deixa que Eu faço a rima:
Vou te guiar a um Lugar,
sua morada lá será,
siga os meus passos e juntos vamos chegar.
Chamando-me pelo nome, pôs-se a caminhar
e eu, ouvindo a Sua Voz, deixei-O me levar,
como uma ovelha, tão dependente, ansiosa para pastar.
Enfim, chegamos ao tal Lugar. Deixando-me descansar, pôs-se a falar:
Meu filho, aqui não há dor, não há temor, não há desamor.
Aqui, minha querida ovelha, é o coração do Bom Pastor!
(sir Francis Drake)
Disturb us, Lord, when
We are too well pleased with ourselves,
When our dreams have come true
Because we have dreamed too little,
When we arrived safely
Because we sailed too close to the shore.
Disturb us, Lord, when
With the abundance of things we possess
We have lost our thirst
For the waters of life;
Having fallen in love with life,
We have ceased to dream of eternity
And in our efforts to build a new earth,
We have allowed our vision
Of the new Heaven to dim.
Disturb us, Lord, to dare more boldly,
To venture on wilder seas
Where storms will show your mastery;
Where losing sight of land,
We shall find the stars.
We ask You to push back
The horizons of our hopes;
And to push into the future
In strength, courage, hope, and love.
This we ask in the name of our Captain,
Who is Jesus Christ.
Muralha
(Marize Castro)
Porque me abasteci, estou de volta.
Trago comigo coisas abandonadas.
Coisas que os homens jogaram fora:
placentas, gânglios, guirlandas, guelras.
Retorno alimentada. Perigosa.
Mais mar. Mais aberta.
Hoje descobri que quando estou dormindo
Deus segura minha mão e a leva para seu rosto.
Para Ele
sou mulher e menina.
Para o mundo
sou silêncio e desordem.
Lassidão e rumor.
Uma muralha que sempre desejou ser flor.
ERMA
(Marize Castro)
Recolho-me tão profundamenteque tudo me alcança:mísseis, desastres, lanças.
Recostada ao rosto de Deuspedi-lhe a fé perdidaa palavra antiga — invencível.
Ele me deu o mar no nomee uma fome borgeana, dizendo-me:Eis sua herança, jovem senhorade velhíssima alma e furiosas lembranças.